A morte materna é o pior desfecho do ciclo gravídico-puerperal. Tem impacto sobre a família e a sociedade, caracterizando um problema de saúde pública. Assim foi considerada na instalação do primeiro Comitê de Morte Materna nos Estados Unidos, em 1930, cujos efeitos fizeram-se sentir rapidamente. Houve uma queda acentuada da mortalidade materna, obrigando o uso de um novo indicador de qualidade da assistência obstétrica, a mortalidade perinatal. Entretanto, essa não é a realidade dos países em desenvolvimento, onde, em 1987, a Organização Mundial de Saúde registrou 500.000 mortes de mulheres por ano devido a complicações da gravidez e do parto1.
Uma revisão das bases de dados que pudessem informar sobre as causas de morte materna confirma a necessidade de ampliar a busca por outras fontes além das bases de dados eletrônicas conhecidas em revisões sistemáticas de prevalência/incidência de morbidade e de mortalidade materna. Essas incluem bancos de dados regionais tais como LILACS e outras fontes de tópico específico, como ainda a procura de outras bases de dados eletrônicos. Portanto, diretrizes para estratégias de pesquisa para estudos de prevalência/incidência precisam ser desenvolvidas2.
Ainda assim, a estimativa de mortalidade materna em 141 países e 78,1% dos nascidos vivos no mundo revelou grande variabilidade entre os países e em regiões e sub-regiões. Um modelo de regressão, incluindo variáveis específicas selecionadas em determinado país explicou os 90% de variabilidade nas estimativas de mortalidade materna. Entre todas elas, três tinham relações mais fortes com a mortalidade materna: a proporção de partos assistidos por um atendente qualificado durante o nascimento, a taxa de mortalidade infantil e as despesas de saúde per capita. Concluiu-se que, exceto em países desenvolvidos, a variabilidade das estimativas de mortalidade materna é grande em sub-regiões. Assim, parece mais apropriado estudar tal variação por meio de diferenciais em outras características nacionais e subnacionais3.
Uma revisão bibliográfica incluiu os títulos e resumos de cerca de 65 mil citações identificadas por meio de 11 bases de dados eletrônicas, bem como várias outras fontes. Avaliaram-se criticamente 4.626 relatórios e 2.443 foram incluídos na revisão. Aproximadamente um terço dos estudos foi realizado na Ásia e na África. A geração de relatórios de qualidade era geralmente baixa com as definições para as condições, e os métodos de diagnóstico muitas vezes não foram relatados. Concluiu-se que existem desafios e questões relativas à pesquisa, avaliação crítica e dados epidemiológicos consideráveis nessa revisão sistemática de estudos de prevalência/incidência. Liderança, recursos e construção de consenso são necessários para melhorar os padrões de monitoramento de carga da doença4.
Realizou-se uma busca eletrônica de artigos científicos publicados entre 1980 e 2010 nas bases de dados LILACS e MEDLINE, sendo 486 selecionados inicialmente. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, restaram 50. A comparação dos dados mostrou queda da razão de morte materna (RMM) de forma diferenciada nas regiões brasileiras. Os estudos sobre determinação do óbito materno apontaram desigualdades sociais relacionadas à cor da pele e à escolaridade. O preenchimento incompleto da declaração de óbito e a subnotificação ainda persistem. Prevaleceram as causas obstétricas diretas, com predomínio das doenças hipertensivas. Quando analisada, a evitabilidade apontou falhas na assistência pré-natal e ao parto. Apesar de sua relevância, são poucos os artigos sobre mortalidade materna no Brasil. A RMM, embora em declínio, permanece em níveis elevados. Melhorias na qualidade da assistência pré-natal e ao parto são necessárias5. As diferenças da RMM entre as diversas regiões do Brasil ressaltam o problema econômico, conforme vários estudos demonstram6,7,8,9,10,11,12,13,14,15.
Os Comitês de Morte Materna têm papel fundamental para análise da frequência e das causas de morte materna, assim como ferramentas para prevenção. A elaboração de um manual tem sido objeto de estudo no Brasil, o qual começou a funcionar em 199116. Em 200217, a Organização Pan-Americana de Saúde publicou diretrizes para a redução da mortalidade e da morbidade materna, definindo cuidados obstétricos essenciais e integrais. O primeiro grupo inclui assistência pré-natal, atenção às complicações da gravidez, atenção ao trabalho de parto, atenção ao parto, tratamento médico das complicações do parto, procedimentos relativos à extração manual da placenta e sutura de lacerações do canal do parto, atenção ao neonato e cuidados especiais neonatais. O segundo grupo (cuidados obstétricos integrais) inclui, além dos anteriores, atenção aos cuidados obstétricos básicos, disponibilidade de anestesia, de centro cirúrgico e de sangue18.
Ressalta-se que outros estudos sobre morte materna têm sido importantes na redução da morte e da morbidade materna, conforme diversos autores já relataram12,13,14,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29.
Embora sejam considerados inconsistentes, alguns valores da RMM estão elevados no Brasil, sugerindo baixa efetividade das políticas públicas para enfrentar essa questão. A melhoria das condições de saúde reprodutiva é um desafio, já que as situações de risco atingem, principalmente, mulheres com pouco acesso aos serviços de saúde. Esse fato exige uma assistência ao pré-natal e ao parto de qualidade, um controle social eficaz com ampliação e qualificação dos Comitês de Morte Materna e a mobilização de gestores, profissionais de saúde e da sociedade civil na promoção de políticas públicas que busquem a redução da mortalidade materna. Quanto às futuras pesquisas sobre o tema, urge ampliar a produção científica em regiões pouco estudadas, ou incentivar a publicação de teses realizadas nesses locais. Também deve ser ampliado o estudo dos determinantes da mortalidade materna, com especial foco nos grupos mais vulneráveis, tornando a produção científica ainda mais relevante no enfrentamento desse grave evento entre as mulheres brasileiras5,20.
Um estudo com o objetivo de identificar e descrever as características epidemiológicas dos óbitos maternos ocorridos entre 2000 a 2012 em um hospital de referência no interior do Estado de São Paulo analisou 58 casos. Identificou-se o seguinte: idade média de 29,11 anos, 56,9% com uma a três gestações anteriores, 56,9% de partos cesáreos, 84,5% de complicações maternas durante a gestação e o puerpério, 81% de óbitos no puerpério e 56,9% de óbitos classificados como causas diretas, sendo 44,8% mortes atribuídas à hipertensão arterial. Concluiu-se pela necessidade de investimento na assistência obstétrica com foco na diminuição das complicações no período gravídico puerperal, reduzindo, assim a mortalidade materna30.